Neymar? Pato? Ganso? Marreco? Não. A noite foi de Miyama, Sawa, Kumagai, Kaihori e de toda a seleção japonesa de futebol feminino.
Garanto que há muito muito tempo não assistia a um jogo tão bom e emocionante. Entre assistir ao jogo do Brasil masculino e ao do Japão feminino, não tive dúvidas. O jogo feminino, além de ser menos "comum" em nossas televisões, contava com o time japonês (muitos não sabem, mas eu sou descendente de japoneses, não de coreanos), que era uma novidade numa final de Copa.
Ambos os jogos terminaram empatados e nos pênaltis, mas a diferença estava clara entre o time nipônico e o brasileiro: o equilíbrio emocional.
Conquista com garra e superação
Cadê a superação?
Logo nos primeiros 10 minutos ficou nítida a diferença de experiência entre as jogadoras americanas em relação às japonesas. O time dos EUA, que já havia conquistado duas Copas Mundiais e estava em busca do tricampeonato, estava na ofensiva com várias tentativas de gols, porém milagrosamente nenhuma balançou o fundo da rede japonesa (nessas horas, juro que achei que havia um shinigami no gol com um campo de força, hahahaah xD). O Japão, ao contrário, mal conseguia chegar à pequena área e muito menos finalizar uma jogada. Mas persistiam.
O jogo parecia fadado à vitória americana, dada a experiência e técnicas superiores, ao desalento dos japoneses, que aumentou quando Morgan fez o primeiro gol dos EUA. Aí fudeu. Torci, torci, torci, até que inacreditavelmente as japonesas avançaram e marcaram! 어머! Miyama! Aí eu vi a garra das japonesas. Porém, no 1o tempo da prorrogação, veio a "decepção": outro gol americano! Mas é aquela história: japoneses ficam mais fortes quando acuados XD
(vide Centopéia Humana e seus 4.8). E foram atrás: atacavam, entravam com tudo, corriam (mesmo com as pernas curtinhas orientais xD), até que num escanteio Sawa mandou pra dentro!
Desacreditei. Nessa hora falei "Só pela persistência, disciplina e garra, o Japão merece ganhar. E mesmo se perder tecnicamente, sairá vitorioso".
Nos pênaltis, não tive dúvidas. O Japão, com sua disciplina e concentração, era bem mais capaz de bater com mais perfeição. Aí entra novamente a questão psicológica: consideremos a crise que o Japão está passando atualmente, o treinamento rigoroso e disciplinante ao qual os jogadores são submetidos e a motivação de fazer um good game. Não tem outra: é vitória na certa. E foi o que aconteceu! A goleirona Kaihori deu um karatê e proporcionou belas defesas para seu time, com louvor merecido, e as jogadoras bateram muito bem, para azar da belíssima e popular Hope Solo.
Nessa hora, quando o Japão ganhou, me pareceu muito roteiro batido (mas verdadeiro) de anime: o fraco de técnica/experiência junta força, disciplina, motivação, orgulho e vontade de vencer, e alcança a vitória! Vitória não somente de "campeonato", mas vitória sobre si mesmo, vitória de superação de suas próprias limitações, vitória da confiança em seu potencial. E é exatamente isso que emociona e fez da vitória japonesa 3x mais do que aparentemente foi.
Jogão. Jogão mesmo. Jogo sem faltas abusivas, jogo sem gracinhas de jogador estrelinha... Inclusive, na hora que a jogadora japonesa tomou um cartão vermelho, foi bem aquilo de "sacrifiquei minha posição no time para impedir um possível gol". Incrível. Planejado, bem planejado, pois as japonesas não são ofensivas dessa maneira, de chegar no carrinho de graça. Ela não tinha nada a perder, pois faltavam somente 2 minutos para o término da prorrogação. Muito bom. E sorte que foi um pouco antes da pequena área, senão era pênalti. Ufa! E a cobrança da falta, graças ao shinigami ali no gol, hahaha, não entrou. :P
A relação que há com o anime não é mera coincidência, é parte do caráter e do espírito japonês de combate e luta. Não entregam os pontos facilmente, como pode-se ver o contrário em diversos jogos do Brasil... o favorito que cai do salto e não sabe se levantar. O japonês não sobe no salto: se mantém rasteirinho, persistente e contínuo, até chegar ao auge. A diferença que eu enxergo ta aí: o brasileiro quando faz gol se prende "ao gol", comemora como se não houvesse amanhã e não enxerga um passo a frente. O japonês não. Faz gol mas não comemora como se já tivesse ganho. Caso tenham reparado, Miyama quando fez o gol não comemorou com sorrisos, mas com a seriedade de "estamos em busca de outro gol para alcançar a vitória!". Ou seja, a visão é um passo a frente, é o objetivo, é a busca da vitória. O gol é o caminho a se percorrer, pois a vitória tem que ser do time, não do jogador individualmente. Infelizmente foi o que verificamos no jogo brasileiro de ontem, ironicamente no mesmo horário e nas mesmas "condições".
Como disse o narrador do jogo, um dos pontos mais trabalhados pelo técnico do time japonês foi a motivação, pois o período pós-tsunami sem dúvida trouxe grande abalo psicológico para toda a nação, e normalmente é no esporte que a população encontra uma certa "redenção" para suas angústias de modo a unir o país num movimento só. E esse ponto foi algo muito importante para o resultado a que chegaram.
Para finalizar, digo que a vitória foi merecida, tanto por motivos esportivos de fato (pois isso foi um jogo de verdade que há muito tempo não via) quanto por motivos políticos. A vitória veio para lavar a alma sofrida da crise japonesa pós-tsunami, que tem trabalhado arduamente para se reerguer novamente dos escombros aos quais foram submetidos. Tudo com disciplina, vontade, perseverança, garra, responsabilidade, confiança e serenidade, que faz parte desse espírito ganbarê, fator extremamente determinante para a vitória da Copa Mundial Feminina de Futebol. Vitória da superação.